TEXTOS BASE PARA PROPOSTA DE REDAÇÃO
Fonte: http://educacao.uol.com.br/bancoderedacoes/
“Intolerância: Coexistir com as diferenças é
um desafio?”
Você gosta
do partido A ou B? Cuidado. Provavelmente a resposta pode gerar algum tipo de
discórdia. É cada vez mais comum no Brasil brigas por causa de partidos ou
posições políticas. Militantes são hostilizados nas ruas, políticos são vaiados
em locais públicos e amizades se desfazem na rede social.
Um episódio
recente envolveu o cantor Chico Buarque, agredido em frente a um restaurante no
Rio de Janeiro por um grupo de pessoas contrárias ao PT.
A saída seria deixar de falar de política?
Certamente não.
A palavra
política surge na Grécia Antiga como uma tradição que estimula o debate e a
liberdade no pensar e no agir. Uma cultura democrática é uma cultura do
diálogo. A democracia é um sistema de governo baseada no diálogo da sociedade
civil. O problema é quando não existe o debate de ideias, mas o pensamento
único que leva ao ódio e ações violentas.
O
radicalismo do debate político é apenas uma das faces da intolerância da
sociedade brasileira. Basta espiar as notícias e perceber a violência contra o
outro em diversas esferas: uma apresentadora de TV foi ofendida na internet por
ser negra. Nas favelas do Rio de Janeiro, traficantes convertidos em
evangélicos proíbem umbanda e candomblé em territórios que estão sob seus
domínios. Em São Paulo, motoristas do aplicativo Uber foram agredidos por
taxistas.
A tolerância
acontece quando existe uma convivência respeitosa entre as diferenças. Já a
intolerância é um comportamento que se materializa pela violência física ou
simbólica, motivada pelo ódio ao outro. Trata-se de uma violência que é usada
no cotidiano contra pessoas e povos, baseada na dificuldade de entender e
aceitar as diferenças. Ela pode ser étnica, política, de gênero, de classes,
religiosa, sexual, cultural e social. O desafio do mundo contemporâneo é o de
que todas essas identidades consigam conviver juntas e em paz.
A lista de
crimes e barbáries contra a humanidade baseada na intolerância é vasta. Basta
recordar a inquisição da Idade Média, a escravidão, o holocausto judeu, este
último, apenas um dos conflitos motivados pela intolerância religiosa e o
racismo no século 20.
No século
16, a palavra tolerância tinha uma carga negativa. Tolerar era sofrer ou
suportar pacientemente um mal necessário. Por outro lado, a intolerância
designava uma virtude, uma espécie de integridade moral ou firmeza para com os
preceitos morais.
A noção de
tolerância que temos hoje tem raízes no Iluminismo. Em 1689, o filósofo inglês
John Locke (1632-1704) escreveu a Carta sobre a Tolerância, que trouxe
importantes argumentos na defesa da tolerância.
Naquela
época, eram comuns massacres recíprocos entre católicos e protestantes na
Europa. Na Carta, Locke defende a preservação de certos direitos dos indivíduos
e afirma que os homens não têm o direito de infligir tortura por motivo
religioso.
Locke
rejeita a conversão da fé à força. Ele acredita que ninguém pode mudar sua fé
pelo simples comando de outro. Para ele, as perseguições religiosas provocam
ainda mais intolerância. Por outro lado, o respeito pela consciência alheia
disseminaria a paz na sociedade.
As reflexões
dos filósofos iluministas influenciaram a criação de leis que reconhecem todos
como iguais. Após a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, a ONU assinou a
Declaração Universal dos Direitos do Homem. O primeiro artigo da Declaração diz
que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Os
indivíduos têm direitos porque são seres humanos, e não por sua condição
social.
A
Constituição brasileira também assegura que todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza e garante aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade.
A importância da alteridade
A palavra
alteridade, originária do latim possui o prefixo alter (o outro) que significa
compreender o lugar do outro e ter consciência que ele existe. A convivência
com a alteridade é uma forma de pensar, escutar e dialogar com o outro.
No entanto,
o exercício da alteridade não é fácil. Começamos a olhar o outro como um
estranho, mas não como um “outro”. A visão de alteridade é ser capaz de olhar o
outro como um sujeito visível, próximo, e não como um inimigo. Sair de sua
própria visão de mundo para entrar na existência da outra pessoa.
Hannah
Arendt (1906-1975) acreditava que a pluralidade fazia parte da condição humana.
Para ela, não nascemos iguais, mas nos tornamos iguais. A igualdade seria uma
construção que poderia existir somente na esfera pública da vida, na liberdade
pública e no acesso a direitos. Arendt reconhece que o totalitarismo obstrui a
experiência do outro, para focar na dominação e supressão do outro. Quando o
mundo perde a capacidade de relacionar as pessoas, o poder cede lugar à força e
à violência. Nesse caso, o sujeito cidadão desaparece.
A questão da
alteridade é investigada pelo filósofo lituano Emmanuel Lévinas (1906-1995).
Para ele os homens contemporâneos mantêm suas relações com o próximo de uma
forma egoísta e sem responsabilidade, preocupando-se apenas com o seu ser.
Lévinas
acredita que nosso papel não é complementar ou somar com o próximo, mas
simplesmente entender que não estamos sozinhos no mundo e que precisamos ter
responsabilidade e uma relação ética com o Outro, independente de quem seja. É
necessário não um olhar de medo, mas de respeito em relação ao espaço do outro.
Intolerância
política e à diversidade humana
Para o
cientista político italiano Norberto Bobbio (1909-2004), a intolerância que se
baseia na crença da verdade absoluta é, em geral, de caráter religioso ou
político. A tolerância seria, assim, uma forma de prevenção contra o
dogmatismo, para que este não vire fanatismo (pessoal), fundamentalismo
(religião) e totalitarismo (Estado).
Os
fundamentalistas de qualquer religião querem impor um único modelo de vida, num
mundo onde prevalece a pluralidade. Bobbio ressalta que o fascismo,
centrando-se no autoritarismo do poder político, não admite as discussões que
podem fazer prevalecer a razão. Só existem tolerância e intolerância em
sociedades livres. Numa sociedade de pensamento único, não existe a
possibilidade de livre escolha dos cidadãos. Nesse contexto, todos que se opõe
a esse pensamento único são considerados inimigos e contra eles é exercida a
intolerância em diversos graus, da exclusão ao uso da violência. Mas em uma
sociedade livre, o diálogo é uma prática de não-violência.
Já a
intolerância que se baseia em diferentes tipos de preconceitos tem como
característica atentar contra a diversidade humana. Do ponto de vista de sua
origem, a palavra preconceito significa pré-julgamento, ou seja, ter uma
conclusão sobre alguma coisa que ainda não se conhece. Na prática, a palavra
preconceito foi consagrada como um pré-julgamento negativo a respeito de uma
pessoa ou de alguma coisa.
Para Michael
Walzer, intelectual e pensador norte-americano, “a coexistência pacífica de
grupos de pessoas com histórias, culturas e identidades diferentes” é o próprio
conceito de tolerância. Walzer identifica e classifica diferentes posturas como
tolerância. Assim, encontra quatro possibilidades que são comumente
relacionadas à tolerância: 1) aceitação resignada da diferença; 2) indiferença
bondosa em relação aos outros; 3) reconhecimento dos direitos dos diferentes e
4) abertura e curiosidade para com a alteridade (ideia de que todo o homem
social interage e interdepende do outro, agindo de forma a considerar sempre o
outro).
Tolerar a intolerância?
O pensador
Karl Popper (1902-1994) acreditava que a intolerância não devia ser tolerada.
Devemos, portanto, reivindicar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar
os intolerantes. Essa formulação não implica que devemos sempre suprimir as
filosofias intolerantes, contanto que possamos combatê-las por argumentos
racionais.
Ele
apresenta uma interessante síntese de sua teoria da falsificabilidade
científica a partir de três princípios: 1) Eu posso estar errado e você pode
ter razão; 2) Conversando racionalmente sobre as coisas talvez nós possamos
corrigir alguns de nossos enganos e 3) Se discutirmos racionalmente sobre as
coisas, talvez ambos possamos ficar mais próximos à verdade.
Para Popper,
a intolerância é fruto de um processo de diálogo que favorece a compreensão da
razão. Assim, o diálogo não é a conversa entre iguais, mas a conversa real e
concreta entre diferenças que evoluem na busca do conhecimento. No caso de
preconceito contra as diferenças, a intolerância se torna ação necessária, o
que sugere que a tolerância deve existir até certo limite. Mas como definir
esse limite?
O escritor
israelense Amós Oz, para quem a tolerância é a questão fundamental do século
21, propõe uma pergunta para pensarmos a relação tolerância/intolerância: “A
tolerância deve se tornar intolerante para se proteger da intolerância?”.
BIBLIOGRAFIA
Carta sobre
a Tolerância, John Locke (Hedra, 2007)
Contra o
Fanatismo, Amós Oz (Ediouro, 2004)
Da
Tolerância, Michael Walzer (Martins Fontes, 1999)
A Condição
Humana, Hannah Arendt (Forense Universitaria, 2014)
Entre Nós.
Ensaios Sobre a Alteridade, Emmanuel Lévinas (Editora Vozes, 2010)
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