Livros UFSC - 2017


Quarenta dias     Maria Valéria Rezende

Capa

Editora Objetiva4 de abr de 2014 - 248 páginas


“Quarenta dias no deserto, quarenta anos.” É o que diz (ou escreve) Alice, a narradora de Quarenta dias, romance magistral de Maria Valéria Rezende, ao anotar num caderno escolar pautado, com a imagem da boneca Barbie na capa, seu mergulho gradual em dias de desespero, perdida numa periferia empobrecida que ela não conhece, à procura de um rapaz que ela não sabe ao certo se existe.
Alice é uma professora aposentada, que mantinha uma vida pacata em João Pessoa até ser obrigada pela filha a deixar tudo para trás e se mudar a Porto Alegre. Mas uma reviravolta familiar a deixa abandonada à própria sorte, numa cidade que lhe é estranha, e impossibilitada de voltar ao antigo lar. Ao saber que Cícero Araújo, filho de uma conhecida da Paraíba, desapareceu em algum lugar dali, ela se lança numa busca frenética, que a levará às raias da insanidade.
“Eu não contava mais horas nem dias”, escreve Alice em Quarenta dias, um relato emocional e profundo. “Guiavam-me o amanhecer e o entardecer, a chuva, o frio, o sol, a fome que se resolvia com qualquer coisa, não mais de dez reais por dia (...) Onde andaria o filho de Socorro?, a que bando estranho se havia juntado, em que praça ficara esquecido?”

SOBRE A AUTORA:

Maria Valéria, 73, tem uma trajetória ímpar na literatura nacional. Nascida em Santos, no litoral de São Paulo, ela se tornou freira, aos 24 anos, da Congregação de Nossa Senhora - Cônegas de Santo Agostinho. Dedicou sua vida à educação e alfabetização de pobres, tanto em São Paulo, seu estado natal, quanto no Nordeste, onde fixou moradia em João Pessoa a partir de 1986. Por lá, esteve principalmente em meio às lutas de trabalhadores rurais por terra no brejo paraibano e hoje trabalha ajudando imigrantes da África e do Haiti.
Durante a ditadura, no entanto, já tinha levado sua atenção a pessoas de outros países. Por auxiliar militantes da esquerda, passou a ser perseguida pelos militares, o que a forçou a deixar o Brasil. Foi viver em lugares como Angola, Cuba, Timor e França, onde se formou em literatura francesa pela Universidade de Nancy e fez mestrado em sociologia --antes disso, já era pedagoga formada pela PUC.
Sua estreia como escritora de ficção aconteceu em 2001, com "Vasto Mundo", livro de contos que retrata o povo nordestino. Seu primeiro romance foi "O Voo da Guará Vermelha", de 2005, no qual ficcionalizou muito do que viveu enquanto ensinava jovens e adultos a ler e escrever.
"Valéria tem uma experiência de vida enorme, e os seus livros refletem isso, apresentam personagens marginalizados, geográfica e economicamente. É legal para os leitores que, ultimamente, são bombardeados com livros auto-centrados em personagens padrões (branco, classe média) ter possibilidades de visitar outros lugares e outras mentes", diz o escritor Roberto Menezes, autor de "Julho é um Bom Mês Pra Morrer", que conhece há dez anos Maria Valéria, sua colega no Clube de Conto da Paraíba.
"Quarenta Dias"
Menezes define o agora premiado "Quarenta Dias" como "um livro forte", com uma protagonista "que vibra a cada página" e que oferece ao leitor a "sensação de estar em um lugar estranho e conhecer um pouco sobre ele". A protagonista, no caso, chama-se Alice e o lugar estranho é Porto Alegre. Na história, a mulher, uma professora aposentada que também é narradora da obra, deixa João Pessoa, ruma para a capital do Rio Grande do Sul e imerge na periferia da cidade que desconhece para, a pedido da filha, procurar por um rapaz que sequer tem certeza de que existe, missão que acaba por transtornar sua cabeça.
Para escrever a obra, a própria Maria Valéria perambulou pelas ruas da capital gaúcha perguntando por alguém que ela mesmo inventou. "Fui a Porto Alegre, minhas irmãs de lá me abrigaram, percorri duas semanas o avesso da cidade, usando como senha uma pergunta que depois emprestei a Alice, minha personagem/narradora: 'Conhece um rapaz da Paraíba, o Cícero Araújo, peão de obra, que não deu mais notícias à mãe, desesperada pelo sumiço do filho?'. A pergunta/senha para vagar impunemente pela cidade veio dos inúmeros casos de gente desaparecida com que me deparo pela vida afora", escreveu a autora em um texto para o Suplemento Literário Pernambuco no qual conta a experiência de passar 14 dias perambulando por solo porto-alegrense.
Escritora dos marginalizados
Toda essa vida e obra centradas nos que estão à margem da sociedade fizeram com que, antes de vencer uma das principais categorias do Jabuti, Maria Valéria fosse a homenageada da Flipobre, o festival dos escritores que se consideram marginalizados pelo sistema literário, que aconteceu no começo de novembro com mesas exclusivamente virtuais. "Foi uma feliz coincidência. O fato de ela ter sido premiada é uma surpresa, já que Valéria não está na lista dos escritores badalados. Ser marginalizado tem vários significados e, no caso dela, o fato de viver fora do eixo reforça essa ideia", diz Menezes, também um dos criadores da Flipobre.
Para ele, o reconhecimento oferecido pela CBL honra o tipo de literatura que a autora faz, bem como a temática com a qual trabalha. "Desde o primeiro livro, 'Vasto Mundo', percebe-se uma literatura de observação resultante do contato dela com personagens reais. E o mais interessante é ela em nenhum momento cair na tendência do momento de fazer auto-ficção".
Este não é o primeiro Jabuti de Maria Valéria: ela já tinha vencido duas vezes o prêmio com o infantil "No Risco do Caracol", em 2009, e o juvenil "Ouro Dentro da Cabeça", em 2013. A autora ainda concorre ao Jabuti desde ano nas categorias Melhor Livro de Ficção e Melhor Livro de Não Ficção, que serão anunciados no dia 3 de dezembro.
FONTES: http://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2015/11/26/freira-que-ganhou-jabuti-de-melhor-romance-centra-obra-nos-marginalizados.htm

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